O Fuzil de Caça | Os fragmentos nas sombras de um labirinto amoroso

Breve Análise Literária[5]

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YASUSHI INOUE JOVEM

O princípio: “Na edição mais recente de ‘O companheiro do caçador’, pequena revista oficial de poucas páginas do Clube dos Caçadores do Japão, foi publicado um poema em prosa de minha autoria intitulado ‘O fuzil de caça’.”

Um romance epistolar… que gênero literário mais anacrônico… se tem algo fora dos nossos padrões tecnológicos contemporâneos com certeza é o livro escrito em formato de sucessivas cartas, o livro que utiliza a conhecida estrutura das cartas para destrinchar uma narrativa, um personagem, um conflito. O romance epistolar é pura literatura — quantas obras-primas foram concebidas nesse estilo, desde o terror gótico de “Frankenstein” (1818), de Mary Shelley, até “Os sofrimentos do jovem Werther” (1774), de Goethe , um meio interessante para entrar nos sentimentos e pensamentos dos personagens sem necessariamente usar a técnica do monólogo interior (como Virgina Woolf, Clarice Lispector, James Joyce, três dos mais famosos a usufruir do artifício, cada um da sua maneira genial), porém, tão forte quanto para mostrar ao leitor como se sucedem as revoltas emocionais inconscientes.

“O fuzil de caça” (1949), de Yasushi Inoue, é formado pelo Preâmbulo (onde o escritor/narrador explica sua inspiração para escrever o poema sobre um homem indo caçar e como recebeu de um leitor do poema, Josuke Misugi, cartas pessoais sobre uma complicada relação amorosa deste — todas endereçadas a Misugi pelos envolvidos direta e indiretamente); A Carta de Shoko (a autora é a sobrinha de Misugi, que aqui revela suas impressões sobre, entre outras coisas, a relação do seu tio com sua mãe); A Carta de Midori (quem agora escreve para Misugi é a sua mulher); A Carta de Saiko (póstuma: a mais dramática, a mais íntima; e pela terceira vez escutamos sobre os encontros, os pontos positivos e as falhas do relacionamento, como se o Yasushi Inoue quisesse dar uma chance aos principais envolvidos de se explicarem, de contarem suas versões dos fatos, de se defenderem se os acusassem) e um Epílogo (a voz retorna ao escritor/narrador para um balanço final sobre a união parcial de Misugi e Saiko).

E Josuke Misugi falou “Comecei a me interessar pela caça há alguns anos, e, diferentemente do homem de vida solitária que sou hoje, há tempos, quando inspirava respeito tanto na vida privada quanto na social, o fuzil de caça passou a ser um objeto imprescindível a meu ombro. Era isso que eu tinha a lhe dizer.”

É um livro sucinto, objetivo, sem enrolo, construído na reconhecida elegância da literatura japonesa que parece, de maneira calma e tranquila, depositar as palavras e frases cada uma em seu determinado lugar sem o mínimo de trabalho como se de antemão seus escritores (Yasushi Inoue um desses) soubessem exatamente de onde pinçá-las e exatamente onde colocá-las e com quem uni-las para atingir o efeito pretendido de névoa sublime sobre nossos olhos. “O fuzil de caça” é coeso; as três cartas — partes principais da história, do desenvolvimento da história extraconjugal de Misugi e Saiko — contrabalanceiam-se harmonicamente sem uma sobrepor-se a outra, a carta seguinte sempre confessando uma particularidade não exposta na carta anterior, a carta seguinte contribuindo com a carta anterior, complementando-a e, ao mesmo tempo, reforçando suas suposições.

UM CAÇADOR E SEU FUZIL (E SUA AVE DE RAPINA)

As versões de Shoko, Midori e Saiko são interpretações verdadeiras; todas reconstroem o relacionamento que nasceu escondido, terminou encoberto; desnudam Misugi, que tem seu retrato pintado por essas três mulheres da sua vida; primeiro Shoko, depois Midori, enfim, Saiko, todas elas relatam trechos esparsos que iluminam um pouco a existência de Josuke Misugi para o escritor/narrador, mas ele, como o leitor, como nós, não põe um imperioso ponto final no julgamento; na janela, com o frio noturno em seu rosto, Yasushi tem dúvidas semelhantes às nossas, semelhantes às dos próprios personagens participantes desse enredo, dessa história de amor entre Misugi e Saiko.

E Saiko falou “O que seria essa cobra que todos possuímos? Egoísmo, inveja, fatalidade, ou quem sabe algo que engloba tudo isso e escapa ao nosso controle, como um carma? É uma pena já não haver oportunidade para que você me explique isso. No entanto, como é triste essa cobra que os seres humanos têm em si.”

por Equipe 99Cents +TeamPopCultPulp com a irretocável colaboração de r.morel

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